Perfeição é insanidade

Rodrigo G. Gomes

Algo que me atrapalha genuinamente é o que se aproxima de uma dependência de perfeccionismo. No sentido de ficar obcecado com cada detalhe, incluindo aqueles que eu conscientemente sei que não são assim tão importantes. Isto, claro, é algo que dificulta tudo simplesmente porque é um poço sem fundo. Então eu sigo por este caminho de tentar alcançar o impossível enquanto tudo o resto vai ficando para trás. O tempo passa, as coisas não são feitas, e eu ainda aqui preocupado com detalhes e preocupado com a ideia de fazer e ter tudo perfeito à primeira. Aprender a “deixar ir” é um esforço constante no qual trabalho diária e ativamente.

Perfeição é impossível por naturais razões: não é sequer só o facto de que pessoas diferentes têm perspetivas diferentes e algo que é bom para mim, pode ser péssimo para ti. É especialmente porque nós mudamos e evoluímos enquanto pessoas, enquanto humanos individuais, ao ponto de mudarmos e evoluirmos as nossas perspetivas. O que significa que o que nós considerámos bom há 10 anos, provavelmente consideramos péssimo agora. O que, por sua vez, significa que algo que se aproxima da perfeição para mim agora, provavelmente vai tornar-se terrível para mim daqui a 10 anos. Então quando fazemos ou criamos algo agora e procuramos perfeição, nós estamos basicamente em busca de uma jornada infinita de procura por algo que não existe e nunca vai existir.

Até se parecer perfeito agora, daqui a 10 anos vai provavelmente parecer muito longe de perfeito. Portanto, o que é que vamos fazer? Voltar constantemente a projetos passados e mudar o que está feito? E “aperfeiçoar” o projeto com base numa perspetiva atual? Então, mudar algo criado no passado com base numa perspetiva da altura e agora mudar o que está feito com base na perspetiva do presente? Vai chegar a um ponto em que a criação vai deixar de sequer fazer qualquer sentido. A ideia deixa de fazer sentido da mesma forma que essa mesma ideia não faz sentido. É como tentar mudar a linha do tempo da própria existência. Uma espécie de paradoxo de viagem no tempo.

Seria possível, literalmente, trabalhar num projeto para sempre. Seria possível, literalmente, mudar o projeto para sempre. Simplesmente porque estaríamos constantemente a evoluir enquanto pessoa para sempre e o projeto continuaria a não parecer bom o suficiente. Para sempre! E o projeto nunca seria publicado, viveria num círculo fechado de mudança e evolução, sempre diferente e nunca realmente feito. Há um momento onde temos de “deixar ir”. Perfeccionismo é um reflexo da capacidade de “deixar ir”: deixar ir projetos, deixar ir coisas, deixar ir o passado, deixar ir pessoas. Está plenamente ligado à capacidade de deixar ir o que tem de ser largado, até quando é difícil.

Um projeto tem de ser o melhor projeto possível dentro do que é sensato, um equilíbrio entre os detalhes importantes que fazem do trabalho único e insanidade, mas há e tem de haver um momento onde a criação é mostrada ao mundo para ser apreciada por aquilo que é. Um projeto não deve ser visto como algo que precisa de ser perfeito, mas enquanto algo que marca um momento no tempo. Algo que conta uma história do passado e da pessoa que já não somos. A prioridade deve ser progresso em vez de perfeição, o futuro em vez do passado, tudo o que pode ser feito em vez do que já está feito.

O meu primeiro livro, a minha querida “LÁPIDE”, estava bom e pronto para ser publicado quando foi publicado, agora vejo-o como um livro que simplesmente não está bom o suficiente. E não está, para mim agora. Eu já não sou o adolescente que o escreveu e é apenas óbvio e natural. Eu evoluí enquanto pessoa, enquanto humano e enquanto autor. Se não deixasse ir, nunca publicaria nada, estaria sempre a olhar para trás e aterrorizado com a ideia de olhar para trás porque aquilo que um dia vi como bom já não está lá. Eu já não estou lá. Não estou da mesma forma, pelo menos.

É como amar alguém com base somente na memória que temos dessa pessoa. A pessoa que recordamos mudou, e agora amamos uma memória em vez de uma pessoa. Alguém que ficou na prisão que é o passado, alguém que já não está lá, já não existe ainda que continue viva. Já não é a mesma pessoa, não é a pessoa que um dia conhecemos, não é a pessoa de quem nos lembramos.

O que significa que a melhor coisa a fazer é criar, dar ao mundo o que temos e seguir em frente. Fazer o melhor que podemos fazer agora com o que temos agora, e publicar. Avançar para o próximo projeto. Publicar e avançar novamente. Quanto mais realmente paramos para pensar, melhor podemos e devemos entender que perfeição é insanidade.

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