Propósito e a adolescência
Rodrigo G. GomesA adolescência é uma altura de rebeldia contra as regras escritas e as regras que não estão escritas que tanto parecem formar uma narrativa conveniente, controlada e manipulada (e talvez assim seja). A verdade é que nós acreditamos no que queremos e escolhemos acreditar desde que seja mais confortável. A adolescência reflete a capacidade ou falta dela de encaixar e de pertencer ao grupo. Reflete a capacidade ou falta dela de criar e manter relações amorosas e/ou sexuais que, por sua vez, contribui para a capacidade de encaixar.
Adolescência é sentir a importante necessidade de questionar o que para os adultos parecem verdades sagradas, em busca das respostas da vida, do mundo, da realidade, do universo e do que é existir. E, ao questionar, obter uma resposta que condiz com as todas as regras ainda que nela falte lógica, questionamento e consideração pelo que está além das regras e que não deixa de ser perfeitamente válido.
É o medo de viver pela incerteza da vida e o medo da morte, principalmente o medo de morrer sozinho. O medo de viver e estar sozinho (o medo do desconhecido que somos nós também). A dualidade de querer ser um indivíduo no mundo que oferece algo em troca de ser um indivíduo e querer ser parte de um todo e de pertencer a algo maior do que si mesmo. Ser um e ser parte de um.
É a necessidade de um porquê perante o mundo e si mesmo. O que é que fazemos e como é que isso afeta o mundo e todos os que nele habitam (incluindo nós mesmos). Talvez até a questão do que é a linha que separa o "um" do todo: serei eu parte de um todo de igual e equilibrada forma ou será o todo uma projeção que parte de mim? Como é que o meu propósito (e o ato de o servir) afeta outros e a mim mesmo? O que é que acontece depois de servir o meu propósito? E como é que outros podem servir o seu respetivo propósito de igual e equilibrada forma sem que o meu os atrapalhe? É naturalmente organizado ou naturalmente caótico? É suposto todos terem essa mesma capacidade ou apenas alguns (sendo que não há luz sem escuridão, preto sem branco, no perfeito equilíbrio)?
Além disso: é uma questão de destino ou de livre arbítrio, referindo-me ao ser ou não "suposto"? É uma questão de vida e morte e no propósito de um individuo que vai morrer perante o mundo que continua a girar e outros continuam a nascer? Existe alguma coisa, algum sacrifício, algo que eu possa fazer pelo bem do mundo ou que adiciona ao mundo, e que vai manter-me vivo até depois de morrer? Novamente a dualidade. Ser um e ser parte de um.
Acredito que poderá ser sobre procurar uma verdade e o medo de nunca a encontrar. Procurar um propósito e nunca saber se já o encontrámos. Será algo ou alguém? Será o propósito a própria busca por uma verdade?
Dizer exatamente o que se pensa é, de certa forma, procurar uma verdade ainda que isso seja visto muitas vezes como um ato de rebeldia. Dizer exatamente o que se pensa pode ser uma atitude de quem procura conflito ou desestabilizar ordem, mas talvez seja também uma busca por essa verdade. Talvez o que é dito está completamente errado ou baseado em ignorância (ou simplesmente no que se sabe agora), mas é estando errado que se passa a estar certo. Além disso, somos apenas capazes de acertar ou errar dentro do caminho que seguimos na vida, seja de forma voluntária ou involuntária.
Assim que nascemos, já temos, de certa forma, um caminho que vamos seguir: uma criança que nasce numa família de religiosos não vai seguir o mesmo caminho de uma criança que nasce dentro de uma família de ateus. Mesmo que, mais tarde, a criança escolha seguir um caminho diferente (como tornar-se ateu ou religioso), o ponto de partida já está, de certa forma, pré-definido. Tudo o que a criança sabe é o que já passou, onde está e para onde poderá ir no caminho em que já se encontra. São acontecimentos que se seguem, desenvolvem e provocam uns aos outros sem aviso ou pedido de permissão e que simplesmente acontecem. Num piscar de olhos, já lá estamos. A criança que nasce numa família de religiosos vai começar por seguir um caminho religioso. Então, novamente: é uma questão de destino ou de livre arbítrio? Uma escolha é uma escolha ou é uma consequência de uma escolha anteriormente feita por outro?
A necessidade e dificuldade de responder a estas questões e o facto de que a existência dessas questões nem sempre é clara é também o que adiciona ao caos enquanto, desesperadamente, tentamos fazer com que tudo faça sentido. O medo do desconhecido e da incerteza cresce connosco e tudo o que sabemos é o que já sabemos e é isso que usamos como base para quem somos. O que não sabemos é apenas evidência do controlo que, na verdade, não temos e do conforto que, na verdade, é uma mentira confortável. Há coisas que vão muito além de regras, muito além do que somos capazes de sequer compreender (quanto mais controlar). Nós somos apenas humanos que, lá no fundo, não entendem comportamento humano e o próprio conceito de moralidade. Tentamos justificar com lógica ações baseadas em emoção, novamente em busca de controlo e, como resultado, conforto.
O que dificulta ainda mais é o ego que se envolve, inevitavelmente. Por exemplo, se eu sou uma professora que se contenta com o que já sabe e prefere manter o que acredita ser controlo, o conforto, a falsa harmonia de uma base frágil de ordem e o complexo de superioridade moral e de conhecimento, eu vou facilmente levar como uma ofensa ou ameaça alguém (principalmente um aluno, alguém mais jovem) que escolhe questionar todos esses valores e que tenta ir mais longe, talvez até ao limite do que se compreende. Essa ofensa, claro, merece um castigo porque é uma completa e inadmissível falta de respeito. Certo? Certo. E assim o jovem que tenta ir mais longe é "ensinado" a não desrespeitar o estado atual das coisas e a contentar-se com o que já se sabe. Eu, enquanto professora, vou justificar com lógica ações baseadas em emoção e assim continuamos a ser apenas humanos, uma espécie que vai eventualmente tornar-se interplanetária, mas que ainda tem dificuldade em distinguir o racional do emocional.
Adolescência é a revolta de um ser que de forma mais clara percebe que tem muitas questões, poucas respostas e pouco controlo. Isto enquanto é bombardeado com "conselhos" de adultos que "sabem mais porque já passaram por isso". E assim como a professora, preferem mostrar saber mais a realmente ajudar e guiar o jovem até à própria verdade. Isto, talvez, porque é uma ofensa que um jovem saiba mais do que um adulto ou não siga (sem questionar) o que o adulto sábio diz, ou porque serve de espelho para um adulto que lá no fundo sabe que não sabe muito. É a negação que serve a narrativa conveniente, controlada e manipulada que nos mantém em controlo. O professor é suposto saber mais porque é professor, mas o que é que acontece quando o aluno sabe mais do que o professor? Nós ajudamos outros não para ajudar o outro porque o outro precisa, mas porque ajudar o outro faz de nós muito boa gente e toda a gente gosta de se sentir boa gente. O ego é o pior inimigo da espécie humana.
É a revolta antes da lavagem cerebral. Antes de ser implementada a ideia de que ser "maluco" é inaceitável se não serve a narrativa. É uma revolta contra o estado atual das coisas, a vontade de desafiar e mudar tudo porque nada parece fazer sentido quando tudo parece novo. Nem que isso seja também pela glória que traria a um ego que reinventou o mundo. O caos de emoções e a capacidade ou falta dela de lidar com isso. O caos de emoções e a monetização disso. Perceber, aos poucos, que tudo é negócios, dinheiro, instintos e interesses pessoais. Perceber que existe motivo para questionar e não compreender, enquanto todos parecem querer ou preferir ignorar isso.
A vontade de foder tudo o que mexe e de destruir tudo o que parece estagnado ou obsoleto. Um dos primeiros estímulos da vontade de criar e oferecer algo ao mundo que pareça de valor ("destruição é parte do processo de criação"). Algo como escrever a própria história no mundo. Não só literalmente, como escrever uma autobiografia num livro, mas tentar decidir futuros acontecimentos e daí "escrever a própria história" no mundo. Isto, talvez de forma a ter controlo sobre a própria vida sendo que tudo fica menos assustador quando temos controlo. Talvez numa tentativa de conhecer o desconhecido que tanto nos aterroriza. Talvez numa tentativa de estabelecer um lugar no mundo, algo vindo de dentro, algo que teve origem de uma identidade que está agora a ser criada com ferocidade. Confuso mas necessário. Eu mesmo dou por mim ainda a tentar fazer isso. E nunca resulta, obviamente. Nem é suposto resultar.
É a altura de fazer amigos e conhecer a potencial cara-metade e a urgência de o fazer porque talvez se torne impossível futuramente. E daí uma questão que adiciona ao "fim do mundo": e se toda a vida é confusa desta forma?
É interessante o contraste de um jovem adolescente e um idoso. Ele que tem amigos e uma vida acompanhada pela frente e ele que está sozinho, aterrorizado, à espera de alguém que lhe escreva uma carta que nunca aparece no correio. E para lá talvez também o jovem caminhe. Para lá talvez todos nós caminhemos. Vida e morte num equilíbrio desequilibrado: ninguém realmente sabe ou compreende muito.
Jovens que agem com base no que sabem fingindo saber mais do que sabem, assim como adultos. Eu diria que a "idade da estupidez", na verdade, é toda a vida. Bebés, crianças, pré-adolescentes, adolescentes, adultos, idosos, cadáveres: é tudo a mesma pessoa em diferentes fases de uma mesma existência. Aliás, talvez não passe de uma grande guerra de inveja. Jovens criticam adultos por inveja da independência que aparentam ter, e adultos criticam jovens por inveja do facto de serem jovens. É uma altura incrível que, de repente, de um dia para o outro, sem aviso, vai embora e nunca mais volta. Nós tornamo-nos alguém completamente diferente.
É uma guerra contra o mundo, todos contra um e um contra todos numa busca por compreensão ou pelo menos pela aparente capacidade de compreender e superioridade moral. Jovens, assim como adultos. E o espetro de emoções que parece nunca acabar e onde, dentro desse espetro, é que se encontram "bondade" e "maldade". E a facilidade com que nos tornamos aquilo que dizemos odiar ou criticamos, porque ser "bom" é motivo de aplauso e ser "mau" é bom.
A inevitabilidade de erros e as consequências deles enquanto caminhamos numa estrada desconhecida e na escuridão. Os passos que damos são os que parecem fazer mais sentido com base no pouco que sabemos, num instinto em aprendizagem, num caminho abstrato de descoberta cuja lição de vida é a própria vida, a capacidade de lidar com ela como ela é ou pelo menos a capacidade de viver na realidade que conhecemos e a que chamamos de "vida" enquanto questionamos como é que seria se tudo fosse diferente.
Eu já fui um adolescente, mas isso não me impede de passar por adolescentes e pensar "olha exemplos de inutilidade", talvez porque já fui um ou porque quero voltar a ser um. Agora, já não sou um puto ignorante. Agora, sou um adulto ignorante. E o melhor disso é que ainda há tudo para descobrir.